Quando eu tinha seis anos conheci um garoto que parecia ser a coisa mais linda do mundo, seu sorriso era o mais bonito que já vira até então. Ele era mais velho, meu vizinho e amigo do meu irmão.
Era
engraçado que ele me tratava como uma irmã, acho que devia ser
porque ele não tinha irmãs apenas um irmão; por isso tinha um
cuidado a mais.
Lembro
que ele aparecia em casa para jogar videogame com meu irmão,
tínhamos um Super Nitendo daqueles que vinham com um cartucho do
Mário world (melhor videogame).
Sempre gostei de assistir as pessoas jogando esses jogos de passar
fase, esperava ansiosa para ver o "vira"; meu irmão sempre
me gritava para assistir, era divertido, como se fosse o "Happy
Ending" dos jogos. Enquanto os observava jogar ás vezes
tentavam me ensinar, mas eu sempre fui horrível nisso, ficava sempre
apavorada e morria a toda hora, principalmente porque queria mostrar
que conseguia, e aí que me atrapalhava toda. Jogava top gear com o
Pedro, o tal amigo que mencionei antes. Jogos de corrida são mais
fáceis, assim como os simuladores de vida e os de luta, por isso
sempre foram os meus preferidos. Talvez ele percebesse minha
chateação e quisesse que eu me divertisse apostando as corridas no
jogo, sempre muito gentil. Me lembro que ele dizia que bateria nos
outros garotos que me importunavam na rua.
Um
dia eu cheguei em casa chorando porque alguns moleques me jogaram
brita na rua, e aí quando ele e meu irmão que estavam em casa
jogando me viram e expliquei o acontecido, ele disse:
-
Vamos lá fora agora pra você me mostrar quem foi, vou acabar com
esses moleques!
Quando
eu tinha mais ou menos uns oito ou nove anos... não me lembro
exatamente, comecei a ter aqueles primeiros sinais de paixonites de
criança. Então ficava com vergonha quando ele estava por perto, e
sabia que era muito novinha então pensava que quando crescesse ele
ia se apaixonar por mim, e íamos nos casar e meu deus, como é
possível que eu pensasse um absurdo como esse? Crianças...
O
que eu sei, é que durante minha pré adolescência soube que era
muito a fim do meu vizinho. Tudo sobre a aparência dele me era
atraente, e o fato de ele ter sido o primeiro garoto que eu gostei na
vida, fez com que o seu tipo físico se tornasse o meu tipo físico
inconsciente, o que é a pior coisa do mundo, porque eu acredito que
por isso devia fazer terapia, afinal não estou falando apenas da
aparência física, mas também da personalidade.
A
verdade era que o Pedro não passava de um garoto mulherengo, muito
bonito que torcia pro flamengo e sonhava em ser jogador de futebol.
Saía
com todas as meninas da escola, tinha uma namorada em cada lugar que
frequentava, uma na escola, outra no trabalho, outra no curso, outra
pra sair nos fins de semana... o problema é que na época em que eu
era criança os caras não eram simplesmente galinhas, eles eram
também excelentes mentirosos, e sabiam muito bem a arte do "não
prestar". Acho que o Pedro teria ganhado uma grana se tivesse
escrito um guia de "Como ser cafajeste".
Hoje
em dia o cara não precisa enganar ninguém, ele só diz: "Olha
garota eu não quero nada sério, não quero te enganar estou sendo
sincero" e então a menina acha que está no filme do Nicholas
Sparks e que o cara vai se apaixonar por ela loucamente, e ela vai
mostrar o quanto ele estava errado e eles serão um casal. Olha só
como as coisas são, as pessoas se enganam sozinhas, nem precisam de
alguém pra mentir para elas, e depois dizem que foram enganadas. Meu
ponto é: Não se fazem mais galinhas como antigamente. Os caras
antes precisavam saber não prestar, não era tão fácil, ele
precisava saber mentir pra menina, dizia o que ela queria ouvir,
fazia planos, fazia coisas gentis como comprar um presente ou
buscá-la e levá-la em casa, existia todo um processo de conquista,
até que finalmente ele saía com a garota e poderia ter a chance de
acontecer alguma coisa ou não. Agora as pessoas não querem ser
agradadas, querem exatamente o contrário, e assim quando um cara é
um total babaca ele ganha a menina totalmente, pelo simples fato de
que as pessoas sempre acham mais excitante aquilo que elas não
possuem. Não existe mais uma conquista a ser feita, as coisas
acontecem tão rápido que você já ganha tudo numa noite só.
Não
estou aqui tentando jogar uma ideia moralista nas pessoas, nem dizer
que isso se trata de "conquistas" ou jogos, não existe
regra alguma pra essas coisas. Mas o que quero dizer é que não tem
mais graça nenhuma essas fases da vida, esses momentos se perderam.
Antes as pessoas demoravam meses só pra pegar nas mãos umas das
outras, acho triste essa perca, minha geração é a mais sem graça
de todas. Está todo mundo tentando se distrair o tempo todo pra não
perceber o tédio insuportável que é a vida, e nesse processo não
vivenciamos nada, porque estamos sempre com a sensação de que
estamos perdendo tempo e pensando na próxima coisa que iremos fazer.
Então nunca estamos realmente aqui.
Voltando
aos meus problemas psíquicos iniciados na infância, todas as vezes
que um garoto fofo é gentil comigo, ou tem aquele cabelo preto liso,
ou é mulherengo, ou todas as coisas ao mesmo tempo, pronto! Fico
gamada (esse adjetivo é muito ruim?). Quão ridículo somos? Quer
dizer eu era uma criança, mas essas coisas ainda estão impregnadas
em mim, sempre tenho uma queda por esse tipo de garoto, que coisa
mais chata e sem criatividade. As mulheres sempre querem ser aquela
que o cara vai largar todas as outras garotas só porque ela é a
tal, porque ela tem algo a mais que as outras. Cara isso aqui
não é "Um amor pra recordar" acorda! Isso aqui é na
verdade "O diário de um banana" ou então somos aquele
garoto do "Meu primeiro amor" que vai buscar um anel idiota
na floresta e morre por um enxame de abelhas. Os filmes de romance
dos anos 90 estragaram a gente, não existem esses caras estranhos e
fofos que vão fazer mil coisas pela gente, até porque nós também
não fazemos, nesse mundo contemporâneo fazer algo é o mesmo que se
anunciar um idiota, quanto mais você se importa mais loser você é.
E
até hoje eu me lembro da pontada na barriga que sentia toda vez que
eu o via, ou ouvia meu vizinho, era espontâneo e imediato, eu o via:
a pontada vinha. Nunca mais senti essa pontada na vida! Apesar dos
corações acelerados e das tremedeiras terem chegado, a pontada
desapareceu. Os amores de infância tem um brilho especial, são
inocentes demais e por isso mais adoráveis que ridículos. Segundo a
minha versão mirim eu estaria casada com o Pedro neste momento e
teríamos muitos cachorros.
Essas
trajetórias são incríveis, pense em tudo o que você já foi,
imagine se pudéssemos nos comunicar com todas as nossas versões
anteriores... Daríamos conselhos, iríamos dizer em quem confiar,
como não cortar o cabelo, o que não dizer a sua mãe no dia que ela
acordasse com o pé esquerdo... diríamos como aproveitar mais
enquanto não temos que nos preocupar com todas essas
responsabilidades que adultos tem, e em como ser adulto não
significa nada em termos de saber o que fazer e o que queremos ser.
Quando somos crianças somos cheios de certezas e quando crescemos
cheios de dúvidas. A vida é esse paradoxo sem fim, sem sentido, a
busca de algo que não sabemos o que é, mas estamos procurando assim
mesmo porque não temos nada melhor pra fazer.