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9 de mai. de 2015

ENSAIO DE NOSTALGIA



         Quando eu tinha seis anos conheci um garoto que parecia ser a coisa mais linda do mundo, seu sorriso era o mais bonito que já vira até então. Ele era mais velho, meu vizinho e amigo do meu irmão. 
Era engraçado que ele me tratava como uma irmã, acho que devia ser porque ele não tinha irmãs apenas um irmão; por isso tinha um cuidado a mais.
Lembro que ele aparecia em casa para jogar videogame com meu irmão, tínhamos um Super Nitendo daqueles que vinham com um cartucho do Mário world (melhor videogame). Sempre gostei de assistir as pessoas jogando esses jogos de passar fase, esperava ansiosa para ver o "vira"; meu irmão sempre me gritava para assistir, era divertido, como se fosse o "Happy Ending" dos jogos. Enquanto os observava jogar ás vezes tentavam me ensinar, mas eu sempre fui horrível nisso, ficava sempre apavorada e morria a toda hora, principalmente porque queria mostrar que conseguia, e aí que me atrapalhava toda. Jogava top gear com o Pedro, o tal amigo que mencionei antes. Jogos de corrida são mais fáceis, assim como os simuladores de vida e os de luta, por isso sempre foram os meus preferidos. Talvez ele percebesse minha chateação e quisesse que eu me divertisse apostando as corridas no jogo, sempre muito gentil. Me lembro que ele dizia que bateria nos outros garotos que me importunavam na rua.
Um dia eu cheguei em casa chorando porque alguns moleques me jogaram brita na rua, e aí quando ele e meu irmão que estavam em casa jogando me viram e expliquei o acontecido, ele disse:

- Vamos lá fora agora pra você me mostrar quem foi, vou acabar com esses moleques! 

Quando eu tinha mais ou menos uns oito ou nove anos... não me lembro exatamente, comecei a ter aqueles primeiros sinais de paixonites de criança. Então ficava com vergonha quando ele estava por perto, e sabia que era muito novinha então pensava que quando crescesse ele ia se apaixonar por mim, e íamos nos casar e meu deus, como é possível que eu pensasse um absurdo como esse? Crianças...
O que eu sei, é que durante minha pré adolescência soube que era muito a fim do meu vizinho. Tudo sobre a aparência dele me era atraente, e o fato de ele ter sido o primeiro garoto que eu gostei na vida, fez com que o seu tipo físico se tornasse o meu tipo físico inconsciente, o que é a pior coisa do mundo, porque eu acredito que por isso devia fazer terapia, afinal não estou falando apenas da aparência física, mas também da personalidade.
A verdade era que o Pedro não passava de um garoto mulherengo, muito bonito que torcia pro flamengo e sonhava em ser jogador de futebol. 
Saía com todas as meninas da escola, tinha uma namorada em cada lugar que frequentava, uma na escola, outra no trabalho, outra no curso, outra pra sair nos fins de semana... o problema é que na época em que eu era criança os caras não eram simplesmente galinhas, eles eram também excelentes mentirosos, e sabiam muito bem a arte do "não prestar". Acho que o Pedro teria ganhado uma grana se tivesse escrito um guia de "Como ser cafajeste". 
Hoje em dia o cara não precisa enganar ninguém, ele só diz: "Olha garota eu não quero nada sério, não quero te enganar estou sendo sincero" e então a menina acha que está no filme do Nicholas Sparks e que o cara vai se apaixonar por ela loucamente, e ela vai mostrar o quanto ele estava errado e eles serão um casal. Olha só como as coisas são, as pessoas se enganam sozinhas, nem precisam de alguém pra mentir para elas, e depois dizem que foram enganadas. Meu ponto é: Não se fazem mais galinhas como antigamente. Os caras antes precisavam saber não prestar, não era tão fácil, ele precisava saber mentir pra menina, dizia o que ela queria ouvir, fazia planos, fazia coisas gentis como comprar um presente ou buscá-la e levá-la em casa, existia todo um processo de conquista, até que finalmente ele saía com a garota e poderia ter a chance de acontecer alguma coisa ou não. Agora as pessoas não querem ser agradadas, querem exatamente o contrário, e assim quando um cara é um total babaca ele ganha a menina totalmente, pelo simples fato de que as pessoas sempre acham mais excitante aquilo que elas não possuem. Não existe mais uma conquista a ser feita, as coisas acontecem tão rápido que você já ganha tudo numa noite só.
Não estou aqui tentando jogar uma ideia moralista nas pessoas, nem dizer que isso se trata de "conquistas" ou jogos, não existe regra alguma pra essas coisas. Mas o que quero dizer é que não tem mais graça nenhuma essas fases da vida, esses momentos se perderam. Antes as pessoas demoravam meses só pra pegar nas mãos umas das outras, acho triste essa perca, minha geração é a mais sem graça de todas. Está todo mundo tentando se distrair o tempo todo pra não perceber o tédio insuportável que é a vida, e nesse processo não vivenciamos nada, porque estamos sempre com a sensação de que estamos perdendo tempo e pensando na próxima coisa que iremos fazer. Então nunca estamos realmente aqui.
Voltando aos meus problemas psíquicos iniciados na infância, todas as vezes que um garoto fofo é gentil comigo, ou tem aquele cabelo preto liso, ou é mulherengo, ou todas as coisas ao mesmo tempo, pronto! Fico gamada (esse adjetivo é muito ruim?). Quão ridículo somos? Quer dizer eu era uma criança, mas essas coisas ainda estão impregnadas em mim, sempre tenho uma queda por esse tipo de garoto, que coisa mais chata e sem criatividade. As mulheres sempre querem ser aquela que o cara vai largar todas as outras garotas só porque ela é a tal,  porque ela tem algo a mais que as outras. Cara isso aqui não é "Um amor pra recordar" acorda! Isso aqui é na verdade "O diário de um banana" ou então somos aquele garoto do "Meu primeiro amor" que vai buscar um anel idiota na floresta e morre por um enxame de abelhas. Os filmes de romance dos anos 90 estragaram a gente, não existem esses caras estranhos e fofos que vão fazer mil coisas pela gente, até porque nós também não fazemos, nesse mundo contemporâneo fazer algo é o mesmo que se anunciar um idiota, quanto mais você se importa mais loser você é.
E até hoje eu me lembro da pontada na barriga que sentia toda vez que eu o via, ou ouvia meu vizinho, era espontâneo e imediato, eu o via: a pontada vinha. Nunca mais senti essa pontada na vida! Apesar dos corações acelerados e das tremedeiras terem chegado, a pontada desapareceu. Os amores de infância tem um brilho especial, são inocentes demais e por isso mais adoráveis que ridículos. Segundo a minha versão mirim eu estaria casada com o Pedro neste momento e teríamos muitos cachorros. 
Essas trajetórias são incríveis, pense em tudo o que você já foi, imagine se pudéssemos nos comunicar com todas as nossas versões anteriores... Daríamos conselhos, iríamos dizer em quem confiar, como não cortar o cabelo, o que não dizer a sua mãe no dia que ela acordasse com o pé esquerdo... diríamos como aproveitar mais enquanto não temos que nos preocupar com todas essas responsabilidades que adultos tem, e em como ser adulto não significa nada em termos de saber o que fazer e o que queremos ser. Quando somos crianças somos cheios de certezas e quando crescemos cheios de dúvidas. A vida é esse paradoxo sem fim, sem sentido, a busca de algo que não sabemos o que é, mas estamos procurando assim mesmo porque não temos nada melhor pra fazer.

Mariana Carolina.
Foto: Annette Pehrsson Blog